Este Blog tem por função abrir reflexões e visibilizar o que se produz de arte contemporânea na Bahia. Sua estratégia principal é criar interlocuções entre artistas, críticos, curadores, poetas e pensadores da cultura de variados eixos de interesses. Este espaço será depositário de variadas formas de pensamentos que ajudem na compreensão dos processos contemporâneos que formam o perfil das ações culturais baianas e suas significações dentro do panorama brasileiro. Vauluizo Bezerra

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

O HOMEM E SEU TEMPO: A Bahia de Hansen

"Eis que a Bahia tem esse mistério, essa grandeza sem limites, esse óleo de luar que escorre pelas noites, sobre os homens, ninguém pode a ele resistir.”
Jorge Amado



Fazem oitenta e três anos que Heidegger no seu texto Sein und Zeit ("O ser e o tempo”, 1962), convida cada homem a fazer a seguinte pergunta: o que significa ser para o homem, ou "como é ser"?. Desprovido dessa reflexão, absolutamente necessária, o homem segue uma forma errante de ser sem consciência, sem autenticidade e alienado. Não sendo, inquestionavelmente, o caso desse artista germânico-baiano: Hansen Bahia

O tempo e o lugar construíram o homem Hansen Bahia. Procurando respostas para sua existência de “ser-no-mundo”, deitou-se em um novo berço, aquecido com braços sofridos de negros e mulatos, em uma nova casa: a Bahia, onde renascera e fora adotado como um guerreiro por muitos dos seus contemporâneos. Na nova terra encontrou singularidades de um povo que vive entre o “monstruoso e o sublime”, entre o nobre e ignóbil, entre a sensualidade e a desordem social. Mirou seu olhar para o mundo dos pobres e dos excluídos a fim de transmutar a dor do seu passado de jovem soldado na Alemanha nazista e a dor das nossas mazelas históricas oriundas do holocausto da escravidão.

A Bahia de Hansen nos diz que as chagas abertas pela cruel desigualdade social que constitui a sociedade brasileira devem ser estancadas, mas suas cicatrizes nunca ocultadas. E que a sua arte promove a total visibilidade de espaços e indivíduos descartados, condenados ao esquecimento. A sua obra funciona como uma catarse, um exercício de purgação, um remédio amargo, muitas vezes intragável, contudo purificador.

Gravando sobre a aspereza da madeira a nossa grotesca realidade. Hansen está presente e pertencente ao seu tempo. Materializando suas experiências de vida e se relacionando com o mundo e com as pessoas. Aproxima-nos de dores universais e simultaneamente se crucifica no calvário da sua “Via Crucis do pelourinho” em tempo de medo e miséria na Bahia.

A Bahia de Hansen aborda e investiga temas sempre com um horizonte crítico; são prostitutas, pescadores, vaqueiros,homens e mulheres do povo, e vistos em sua condição existencial. O artista aponta para leituras que desmitificam as imagens hegemônicas da Bahia, e me faz lembrar das palavras de António Risério, citando Stefan Zweig ( um escritor que se matou no Brasil), que nos alerta ao comparar a cidade de Salvador com a atitude de uma velha rainha viúva – “uma rainha viúva, grandiosa como a das peças do Shakespeare” - acrescenta Risério, “uma rainha tão bem sucedida em seus convites a idealizações paradisíacas que geralmente consegue ocultar dos olhos que a contemplam, a realidade de sua miséria e dos seus conflitos sociais.”

Salvaguardar a obra desse grande artista é uma tarefa absolutamente necessária para nossa história, pois além de ser um precioso patrimônio cultural é um exemplo de competência para todas as gerações de como um ser criador, se relaciona de maneira autêntica com o mundo em que habita. Relembrando Jorge amado: o “famoso e indiscutível, Hansen Bahia tudo deixou para trás e partiu conduzindo a cruz de Cristo".

Ayrson Heráclito,
Artista Visual, Curador e Professor da UFRB/CAHL

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