Este Blog tem por função abrir reflexões e visibilizar o que se produz de arte contemporânea na Bahia. Sua estratégia principal é criar interlocuções entre artistas, críticos, curadores, poetas e pensadores da cultura de variados eixos de interesses. Este espaço será depositário de variadas formas de pensamentos que ajudem na compreensão dos processos contemporâneos que formam o perfil das ações culturais baianas e suas significações dentro do panorama brasileiro. Vauluizo Bezerra

sábado, 15 de outubro de 2011






PELE Alba Vasconcelos

A fotógrafa e escultora Alba Vasconcelos tem trajetória longa, lastreada
por experiências com imagens para a publicidade, `a sua atual condição
do exercício da fotografia como mídia de expressão pura, objeto de seu
entorno subjetivo, de sua forma de ver as coisas, sua natureza e o mundo
onde se assentam.

Inscrever em seu olho repleto de cálculos - pela vivência com a mecânica
extensiva que representa o ato fotográfico em suas variantes discursivas
- uma escrita regida pela sensorialidade particular que lhe caracteriza
como fotógrafa em pleno estado de arte, vicejando particularidades que
nos fornece o discernimento específico de sua poética autônoma, é o que
entroniza este ensaio PELE.

PELE é título que carrega um sintoma, enreda as variantes conceituais
que a sua fotografia problematiza de modo sutilizado, encara a apreensão
representativa pela luz, pelas sombras, na dialética do preto e branco
eivada pelas notações da textura, sem abrir espaços para
contendas, ou imiscuir-se em categorias que as aparências podem sugerir
enganosamente. Antes, o que parece afirmar é esse trato de superfície,
essa condição táctil, reconhecimento sensível de uma topografia que quer
assinalar de modo categorico o universo feminino e seus
filtros de gênero.

A fotografia de Alba Vasconcelos se estende à tradição da historia
fotográfica baiana, não se importa com os anseios de rupturas que possam
preconizar atualizações estéreis, pois os conteúdos que lhe instam são
em si atualizadores, na forma como revelam o logos feminino operando
obturadores cujos resultados perscrutam uma mentalidade visual diferente,
ordenada por um tipo de sensibilidade e razão cujo sentido iconográfico
torna visível a diferença que deliberadamente tece.

Há neste ensaio, a percepção de um movimento, uma delicadeza que
percorre de modo exploratório essas demarcações próprias do olho
feminino, preconizando uma visão humana cujo tônus se distancia em
sutilezas da construção habitual das imagens civilizadas pelo homem,
portanto uma adição que estende a experiência das imagens em suas
prerrogativas sensoriais.

Sintomaticamente Alba Vasconcelos escolhe como capa do catalogo a
foto LIA, magistral. Enfrenta com a câmera a parede humana que é Lia, a
modelo que parece desafiar a fotografa, como se dissesse: venha, mostre
do que você é feita. Eis a foto. Nesta imagem de Lia há duas forças em
sentido contrario, de colisão, o choque, foco, é o ponto equitativo na
distancia entre as duas e o que se opera na gestão de Alba e o desafio de
LIA, a modelo. A explosão da imagem em sua mudez expõe o inefável,
o silêncio que emana um sentido humano reconhecível, mas inexplicável,
este silêncio que fala toda a eficiência de uma imagem que alcança o que
Barthes chama de sentido obtuso, aquele que não se sabe o que é, mas é.
Há um trecho no Manual de Pintura e Caligrafia de José Saramago que
diz: "Assustados e ridículos estão sempre o pintor e o modelo diante da tela
branca, um porque se teme de ver-se denunciado, outro porque sabe que
nunca será capaz de fazer essa denúncia, ou, pior do que tudo isso, dizendo
a si mesmo, com a suficiência do demiurgo castrado que se afirma viril,
que só a não fará por indiferença ou piedade do modelo". *

A fotografia como invenção moderna, cumpre o estatuto da arte com
sua consolidação, sobretudo nos nossos tempos cuja reprodutibilidade se
amplia dramaticamente em suas variadas formas tecnológicas altamente
sofisticadas. Mas os problemas da criação são transpostos porque há
fotógrafos e fotógrafos, além de todos sermos fotógrafos. A este propósito
invoco mais uma vez José Saramago...“quando a fotografia, agora feita
arte por obra de filtros e emulsões, parece afinal muito mais capaz de
romper as epidermes e mostrar a primeira camada intima das pessoas.”*

A palavra se tornou mais impotente `as refrações da arte de hoje, mas o
olhar se consolida como instrumento letrado no reconhecimento da arte,
porque esta arte, como as fotografias de Alba Vasconcelos, estende novos
modos de ver e compreender o mundo e as humanidades que portamos;
PELE, não deixa de ser uma ironia, quando se distancia de sentidos
étnicos, e nos chama a atenção das varias camadas de epidermes pela
qual construímos novas sensibilidades para novas complexidades que nosso
tempo nos obriga a entender.


Vauluizo Bezerra Setembro 2011-09-08

Saramago, José. Manual de Pintura e Caligrafia pg.8 Compnhia das Letras

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